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sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Carta enviada à Sec. de Cultura, INEPAC e ao Subsecretário Executivo, por Paulo Seda


Rio de Janeiro, 19 de agosto de 2011

Exma. Sra. Adriana Rattes - Secretária Estadual de Cultura

Exma. Sra. Olga Campista - Diretora do INEPAC

Exmo Sr. Dr. Luiz Zugliani - Subsecretário Executivo

            Prezados,

            Temos solicitado, insistentemente, uma audiência com os senhores, mas não somos atendidos. Nem mesmo um resposta nossas solicitações merecem. Sinceramente senhores, não compreendemos o porquê disso. Vejam, que a única conversa que tivemos foi para nos dizerem que tínhamos que sair da Casa. Mais nada. O dia 31/08, data limite indicada pelos senhores, se aproxima e continuamos na mesma. Tudo o que pedimos era ouvir e ser ouvidos e este direito básico nos é negado. Porque senhores?
            Somos pessoas inteligentes, educadas, respeitadas, equilibradas e, sobretudo, somos pessoas preocupadas com nosso patrimônio histórico e cultural. Sou arqueólogo e professor de história, os senhores são gestores da cultura e do patrimônio em nosso Estado. Assim, caso não fossemos preocupados como nosso patrimônio, jamais exerceríamos as funções e cargos que exercemos.
            O que isto significa? Significa que, na verdade, estamos do mesmo lado, todos nós desejamos a mesma coisa: a preservação da Casa do Capão do Bispo. Podemos ter divergências quanto ao uso da Casa, mas o que desejamos é isso: que a Casa continue viva.
            Não somos, portanto, antagonistas da Cultura ou do Estado, nunca fomos. Pelo contrário: somos, e sempre fomos, parceiros.
            Foi como parceiros que ocupamos a Casa do Capão do Bispo, foi como parceiros que aqui permanecemos todos estes anos, foi como parceiros que nos tornamos verdadeiros guardiões da Casa. E é como parceiros que queremos aqui permanecer.
            Esta Casa senhores, para nós, que aqui estamos há 37 anos, representa muito mais do que um local de trabalho. Ela entrou em nossas vidas. Está em nossas almas, em nossas peles, em nossas memórias, em nosso presente e, queremos, em nosso futuro. Está em nossos risos e em nossos choros. Está em nossos sonhos e em nossos referenciais.
            As lutas aqui travadas foram muitas. Algumas com conhecimento do Estado, outras travamos calados. As dificuldades sempre foram muitas, mas sempre fizemos o possível e o impossível para manter esta Casa. O Prof. Ondemar Dias lhes escreveu uma longa carta, em que relata parte das obras que aqui fizemos ao longo dos anos. Pouco? Talvez. Mas, se não fossemos nós, ninguém teria feito. Repito: a Casa só continua de pé pela nossa presença.
            Mas, quando digo que fizemos de tudo para manter esta Casa, não estou falando apenas de obras. Falo de coisas que vão além. Já trabalhamos aqui sem água e sem luz, tendo que pegar água na vizinhança. Já tivemos que, nós mesmos, cuidarmos da limpeza. Perdemos as contas das vezes em que tivemos que nos cotizar para limpar o terreno. Fomos nós que resolvemos o problema da enorme figueira que havia ao lado da Casa e que, já condenada pelo próprio IPHAN e que, apesar de todos os nossos pedidos, não conseguimos que fosse cortada e acabou tombando sobre o telhado traseiro. Depois, ainda foi preciso lidar com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, que ameaçava nos multar, pela poda radical de uma árvore que caiu de podre! Tivemos até mesmo, que cerrar fileiras contra invasões – e nós estávamos prontos para lutar.
            Por outro lado, também devemos muito ao Capão do Bispo. Foi aqui que se desenvolveram os grandes Programas do IAB – Litoral Fluminense, PROPEVALE, Grutas Mineiras; foi aqui, que escavamos sítios que, sem modéstia, mudaram o conhecimento do desenvolvimento cultural no Brasil antigo. Foi aqui, penso eu, que o IAB se tornou uma instituição de fato respeitada, reconhecida, de referência; foi aqui que fizemos coisas maravilhosas, foi aqui que recebemos um prêmio nacional de divulgação científica; foi aqui que vimos nosso principal pesquisador – Ondemar Dias -, chegar à presidência da Sociedade de Arqueologia Brasileira. Por fim, foi aqui, ouso dizer, que o IAB definitivamente ganhou sua feição mais profissional.
            Pode-se objetivar, evidentemente, que o IAB poderia ter feito tudo isto sem o Capão. Sinceramente não sei se poderia, mas é possível. Mas, é verdade que não o fez. O que fez, fez no Capão e não consigo acreditar que tudo isto seja um mero acaso, uma grande coincidência. Foi aqui, também, que o IAB ganhou um ponto de referência, pois, tenham certeza, não é só na minha cabeça que IAB e Capão do Bispo se confundem: na cabeça de boa parte dos pesquisadores e arqueólogos de outros lugares, quando se pensa IAB, se pensa também Capão do Bispo.
            Eu senhores, estou aqui há 35 anos (mais da metade de minha vida). Aqui cheguei com 19 anos de idade e me orgulho de dizer que entrei como estagiário, fui bolsista de iniciação, de aperfeiçoamento, fiz meu mestrado e doutorado atuando no Capão do Bispo e hoje sou vice-presidente e diretor de pesquisas do IAB. O que aprendi de arqueologia, aprendi aqui.
            Portanto senhores, deve ficar claro que nada temos contra uma reforma da Casa, contra uma revitalização da Casa. Como, nós, que tanto amamos este local, poderíamos estar contra. Apenas não concordamos com uma coisa: sair da Casa. Queremos aqui permanecer. Porque isso é justo. Porque isso é correto. Porque isso, acreditamos, é nosso direito.
            Assim Senhora Secretária, Senhora Diretora, Senhor Subsecretário, pedimos: nos deixem permanecer aqui. Nos deixem continuar nossos trabalhos. Inscrevam seus nomes no rol daqueles que revitalizaram a Casa e souberam manter o que ela sempre foi: um centro de pesquisas e formação de pesquisadores. Sejamos grandes! Por favor, não queiram se inscrever entre aqueles que desalojaram, depois de 37 anos, um grupo de pesquisadores atuantes e que, ao longo destes anos, prestaram inúmeros serviços a cultura, ao patrimônio e a história de nosso Estado e País.
            A cultura e a ciência muito agradecerão se voltarem atrás em sua decisão.
            Nós que aqui estamos, por vós esperamos.

Atenciosamente,

Paulo Seda
Diretor de Pesquisas/Vice-Presidente IAB
Pesquisador do Capão do Bispo

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