Sibeli A.Viana
PUC Goiás/Instituto Goiano de Pré-história e
Antropologia
Pedro Paulo
Guilhardi
Programa Erasmus
Master in Prehistory and Quaternary/
Muséum National
d´Histoire Naturelle – Paris
Publicado em:
Maracanan/Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Maracanan/Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Programa de Pós-Graduação em História. - vol. VII - n.7, 2011 -
Rio de Janeiro: UERJ, 1999 - Anual
Editora: Marilene Rosa Nogueira da Silva
Responsável pelo número: Paulo Roberto Gomes Seda
Instrumentos
Líticos
Os
instrumentos produzidos a partir da pedra lascada ou polida podem ser
analisados sob diferentes enfoques: como objetos técnicos, quando são
resultantes de investimentos cognitivos que inclui abordagem técnica,
constituída por conhecimentos técnicos, saberes e fazeres e habilidades; como
objeto social, já que as ferramentas não somente permeiam, mas também
constituem as relações sociais; como objetos para atender necessidades
específicas, sejam elas de natureza econômica, social ou ideológica. Poderíamos
ainda enumerar muitas outras facetas dos instrumentos, mas ao invés de
subdividi-los preferimos analisá-los a partir de uma perspectiva integralizante
e, para tanto, utilizamo-nos da perspectiva antropotécnica dos objetos, que
considera que “les produits
de la technologie ne sont pas seulement techniques, ils sont anthropotechniques
et doivent pouvoir être compris et analysés comme tels”[i]. Tal abordagem considera que os
instrumentos devam ser pensados, concebidos e materializados a partir do
ambiente humano e, por isso, não são apenas objetos técnicos, mas artefatos, o
que significa que estão relacionados ao sujeito, que lhe confere o status de
instrumento.
Mas,
como se define um instrumento antigo, produzido em contextos artesanais e sem a
influência dos atuais meios de comunicação e de tecnologia? Sem nos aprofundar
aos aspectos conceituais, destacamos a definição de Leroi-Gourhan[ii]
que considera como instrumento o termo geral conferido aos objetos pelos quais
os homens intervêm na matéria, prolongando sua mão, a fim de especializá-la.
Creswell[iii]
acrescenta que o instrumento permite realizar uma ação que o homem não quer ou
não pode executar utilizando apenas sua própria força ou seu próprio corpo. No
entanto, os instrumentos são também portadores e estimuladores de relações
sociais. Segundo Ingold[iv]
representam uma extensão dos poderes pessoais, já que a influência pessoal do
artesão, ao deter o conhecimento técnico de
produção e de operação do instrumento, sai do nível individual e se estende à
sociedade. Tais objetos tornam-se veículos
de ação apropriativa.
Sabemos
que a maioria dos instrumentos dos tempos modernos é dotada de complexidade
tecnológica singular, de modo que indivíduos não especializados dificilmente
sabem dos mecanismos técnicos e operacionais de um computador ou mesmo de um
simples celular. Ainda que não se possa fazer uma simples analogia da presente
situação com as sociedades pretéritas, tendo
em vista a natureza diferenciada dos contextos sociais, ambientais e da
tecnologia disponível, a etnografia nos informa que, mesmo nas sociedades mais
simples, de natureza aberta, onde a
maioria das atividades se realiza na esfera pública e todos poderiam saber como
lascar pedras ou fazer vasilhames cerâmicos, entre outras atividades, as
restrições culturais, sociais e/ou econômicas, assim como as habilidades
pessoais, teriam impedido certos indivíduos de executar tais tarefas. Em outras
palavras, saber-fazer não significa poder-fazer[v].
Os
instrumentos presentes entre antigos grupos caçadores coletores e entre os
primeiros agricultores são eminentemente artesanais, feitos sob medida; no
entanto, isso não significa serem desprovidos de conhecimentos técnicos, de
habilidades e de saberes e fazeres específicos, elementos estes que delineiam
as cadeias operatórias de produção dos objetos[vi].
Esta rede, resguardando as particularidades de cada elemento, com maior ou
menor grau de complexidade, esteve presente entre tais sociedades, ainda que
cada contexto comporte suas especificidades.
Nesta perspectiva, Boëda et al[vii]
trata as cadeias operatórias de produção de instrumentos a partir da abordagem tecnopsicológica e tecnoeconômica, a primeira se propõe a verificar os conhecimentos
técnicos e as seqüências de produção dos instrumentos líticos, sendo que a
determinação desta memória técnica constitui o principal objetivo das análises
das cadeias operatórias. A abordagem tecnoeconômica
inclui o ambiente natural, considerado tanto como espaço de
afetividade, onde se desenvolve as relações sociais, como também, local de
exploração de recursos naturais.
O conhecimento técnico
também está constituído pelo registro das modalidades de ação, em outras
palavras, os saberes e fazeres, que se exprimem não somente pelas habilidades
corpóreas dos indivíduos, como também pelas idéias, avaliações e decisões
pessoais de quem produz as ferramentas ou mesmo da forma apropriada de
utilizá-los[viii].
Os conhecimentos não são aprendidos e desenvolvidos por todos de maneira
idêntica e linear; há uma variabilidade interindividual dada também pela
aprendizagem[ix].
Ademais, como a matéria prima nunca é padronizada na sua forma ou em sua
composição e as ações de lascamento ou de polimento de uma rocha não seguem a
homogeneidade rígida de uma máquina, não se pode pensar em uma seqüência
imutável de produção tecnológica. Essa variabilidade constitui, pois, um traço
marcante da produção artesanal, na qual a tecnologia pré-histórica assume o
papel por excelência[x].
[i] Pierre RABARDEL. Les hommes & les technologies – approache cognitive
des instruments contemporains. Paris. Armand Colin, 1995.
[ii]
André LEROI-GOURHAN. Le geste et la parole. La mémoire et les
rythmes. Paris, Albin Michel, 1964, pp. 247-250.
[iii]
Robert CRESSWEL.
“Utensílio”.
Enciclopédia Einaudi. Lisboa. Imprensa Nacional/Casa da
Moeda, v. 16, 1989, pp. 313-3281.
[v]
C. KARLIN; M. JULIEN. “Prehistoric technology: a cognitive science?” in: C.
Renfrew; B.W. Zubrow (dirs.). The ancient
minds. Elements of cognitive archaeology. Cambridge. Cambridge University
Press. 1996, pp. 152-164.
[vii] E. BOËDA; J.M. GENESTE; L. MEIGNEN. “Identification de chaines
operatoires lithiques du Paleolithique Ancient et Mouyen”. Palèo, Paris, n.2, pp.80-136, 1990.
[viii] Jacques
PELEGRI N. “A Framework for analysing prehistoric stone tool manufacture
and a tentative application to some early stone industries”. in: A. Berthelet;
J. Chavallon. The use of tools by humans and
non-humans primates.
Oxford. Ed. By Arlette Berthelet and Jean Chavaillonl
Oxford Scense Publications, 1993, pp. 302-317.
[ix] Tim INGOLD. “Tres en uno: cómo disolver las distinciones entre
cuerpo, mente y cultura”. in: S.C. Tomás (dir.), Tecnogénesis – la construcción de las ecologias humanas. Madrid,
AIBR, 2008, pp. 1-33.
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