Instituto Brasileiro de Pesquisas Arqueológicas
Profa. Colaboradora do PPG em Arqueologia, Museu Nacional, UFRJ
PAULO SEDA
LEPAma – Lab. de Est. E Pesq. da América Antiga/NUCLEAS – Núcleo de Estudos das Américas, UERJ
Instituto Brasileiro de Pesquisas Arqueológicas
1. O CONTEXTO TEÓRICO
A utilização
de teorias na prática da arqueologia representada em primeiro lugar a
possibilidade de trabalharmos cientificamente a partir de problemas e não
apenas a partir dos vestígios encontrados. Utilizando explicitamente teorias,
podemos em um primeiro momento identificar e definir uma problemática, bem como
tentar explicá-la buscando uma solução (KERN, 1991, p.52).
O
momento atual da arqueologia caracteriza-se por uma grande quantidade de
profissionais trabalhando de acordo com postulados teóricos que começaram ser
pensados a partir da década de 1960, ou seja, o Processualismo e o Pós-Processualismo,
derivados da New Archaeology (cf. BINFORD, 1962; WILLEY, SABLOFF, 1993;
TRIGGER, 1989; RENFREW, BAHN, 1996). Verdade que muitos pesquisadores continuam
a fazer suas análises e interpretações a partir de pressupostos teóricos de
períodos anteriores, mas, de fato, também sofrendo influência da Nova
Arqueologia.
O
homem interage com seu tempo e conseqüentemente coteja todas as formas de
conhecimento veiculadas; no entanto, a escolha de uma ou mesmo algumas teorias,
quando complementares, implica uma consciência científica. Tal escolha é
fundamental, pois será a teoria que direcionará, ao nível das idéias, todo o
trabalho de pesquisa, análise e interpretação dos dados.
A Arqueologia Processual
Os
primeiros passos para a formação da base teórica do Processualismo foram dados
por Joseph Caldwell, em 1959, quando publica o artigo “The new american
archaeology”, citando os crescentes estudos na área da ecologia e padrões
de assentamentos, o que evidenciava um novo interesse ¾ os processos culturais.
Para ele, o objetivo primário da arqueologia deve ser explicar as mudanças em
culturas arqueológicas e em termos de processos culturais (cf. TRIGGER,
op.cit.).
BINFORD
(1962.) acrescentou outros elementos para criar uma nova corrente teórica que,
desde aquela década, tem sido reconhecida como a Nova Arqueologia Americana.
Segundo ele, a arqueologia pertence ao campo da Antropologia para a qual ela
tem dado grandes contribuições, principalmente na explanação das diferenças e
similaridades para o entendimento dos sistemas culturais passados.
A explanação
de diferenças e similaridades entre complexos arqueológicos deve ser feita
através de um conhecimento atualizado sobre as características estruturais e
funcionais dos sistemas culturais (BINFORD, op.cit., p.218).
A
partir disto, podemos perceber que o processualismo adotava como base uma
estrutura sistêmica de referência, apoiando-se na Teoria Geral dos Sistemas
(cf. BERTALANFFY, 1950). A partir de então, a arqueologia passou a produzir um
grande número de publicações, relacionando-a aos sistemas humanos, cujos dados
originam-se das pesquisas arqueológicas.
Algumas
adaptações foram feitas à teoria inicial dos sistemas para que se adequasse ao
contexto arqueológico, mas, de uma maneira geral, sua estrutura básica foi
mantida. RENFREW (1984, p.253), ressalta que Binford introduz tal teoria na
arqueologia de maneira muito genericamente, sendo CLARKE (1968) quem fornece um
esboço preciso da análise de mudanças sistêmicas aplicada à arqueologia, que
até hoje permanece como o melhor.
Alguma coisa
que consiste de partes conectadas dentro de um todo será chamada sistema. O que
conecta os componentes deste sistema particular são as ações entre estas três
classes: homem, artefato, objeto natural (...). Os componentes do sistema não
são apenas os membros da sociedade, mas os artefatos que eles fazem ou que eles
usam (incluindo os não materiais) e todos os objetos na natureza com os quais
eles entram em contato (RENFREW, op. cit., 259).
Influenciado
por Leslie White e por Malinowski, BINFORD (op. cit.) definiu seu modo
sistêmico com base em três componentes (subsistemas): o técno-econômico, o
social e o ideológico, sendo o segundo determinado pelo primeiro. RENFREW (op.
cit., p. 262-4) propôs, por sua vez, a existência de cinco subsistemas, a
saber: o de subsistência, o tecnológico, o social, o simbólico e o de
comunicação e comércio.
Para
representarmos a cultura como um sistema ou como uma parte de um sistema, é
útil considerar não só os artefatos, mas os membros da sociedade que os
produziu, o ambiente que habitaram e outros artefatos (incluindo os não
materiais tais como os sistemas lingüísticos e simbólicos) que eles criaram ou
usaram (RENFREW, op.cit., p.262-4).
Portanto,
a chave do processo de desenvolvimento cultural está necessariamente nas
inter-relações entre as variadas atividades do indivíduo na sociedade, ou
melhor, nas interdependências dos subsistemas da sociedade. Esta característica
dos sistemas humanos, através da qual uma inovação (e sua aceitação coletiva)
num subsistema favorece uma ou mais inovações em outro, pode sustentar um
prolongado crescimento ¾ efeito multiplicador. É naturalmente ao nível do
indivíduo que este efeito atualmente opera: através dele, as pressões sociais,
por exemplo, adquirem uma significação econômica, pois os vários subsistemas da
cultura estão vinculados ao nível do indivíduo.
STICKEL
(op. cit.) foi quem enfocou de forma mais completa a teoria dos sistemas,
acrescentando características holísticas, ausente nas abordagens anteriores.
Segundo ele, o modelo holístico incorpora variáveis tanto da cultura (cultura
material ¾
os artefatos e não material ¾ as idéias) quanto da biologia humana.
De
acordo com LIMA (1991, p.17), a perspectiva holística enfoca o homem (sua
biologia e seu comportamento cultural) e seu ambiente específico, de forma
mutuamente dinâmica. Através dela, o homem e seu meio compõem um sistema
organizado que inclui outras populações e ainda elementos inorgânicos. Esta
perspectiva esteve praticamente ausente da abordagem sistêmica de BINFORD
(op.cit.), que caracteriza a mudança dentro de um modelo linear ¾
ambiente influencia cultura. Na visão holística, “as populações humanas se vêem
como parte do ecossistema” (WILLEY, SABLOFF, op. cit., p.225).
BELL
(1992), ressalta que a expansão do holismo no mundo contemporâneo deve-se,
sobretudo, as teorias marxistas, ao ocuparem-se de elementos ideacionais ¾
pensamentos, idéias, crenças religiosas e outros fatores cognitivos ¾ em
relação dialética com elementos materiais da estrutura econômica[1].
Para ele, as teorias processuais também são um exemplo bem conhecido de
explanação holística, pois são teorias que normalmente assumem que as causas de
mudanças transcendem a ação humana. De outro lado, as abordagens sistêmicas,
que explicam a mudança mais em termos da dinâmica interna (do sistema) que por
fatores externos, têm sido particularmente preferidas pela maioria dos
arqueólogos processualistas. No entanto, Bell reconhece que o enfoque holístico
por si só não pode apreender completamente o universo complexo que caracteriza
a vida humana.
SHANKS
e TILLEY (1994) alertam que as abordagens teóricas que visam a compreensão do
passado pré-histórico devem ser mais individualistas que holísticas. Ademais,
também criticam a teoria dos sistemas ao assinalarem:
Não é
possível separar o ambiente da sociedade, o externo do interno, cada um define
o outro. A economia não pode ser separada da política, e este do ritual (...).
A economia, que está ao mesmo tempo presente e ausente na política e no ritual,
está estruturada como um espaço ritual e político (...). Nós rejeitamos
qualquer simples separação a priori estabelecida entre economia, política e
ideologia (op.cit, p.122).
Dentro
do enfoque sistêmico, STICKEL (op.cit.) define os seguintes componentes: (1) o biológico
¾
consiste em todos os remanescentes humanos, representados pelos corpos humanos
total ou parcialmente preservados, tecidos, esqueletos, coprólitos, cabelos,
etc; (2) o material ¾ consiste dos itens não humanos, tais como objetos,
flora, fauna, etc; (3) o técno-econômico ¾ consiste na busca e
transporte das matérias-primas, seu processamento, seus processos de
manufatura, seu uso, suas técnicas de construção, sua manufatura e seu reparo e
seu abandono; (4) o sociológico ¾ consiste na organização
dos membros de um grupo dado em vários agrupamentos, considerados apropriados
para a execução das atividades necessárias para a manutenção do sistema humano;
(5) o ideológico ¾ consiste de todos os fenômenos relacionados às idéias
ou às informações contidas dentro das mentes dos vários indivíduos do
componente biológico do sistema humano, dentre eles: as crenças, as doutrinas,
a magia, os rituais, a música, as artes, o conhecimento científico, etc; (6) o psicológico
¾
consiste da habilidade e do impulso criativo do indivíduo que podem criar novas
idéias e, conseqüentemente, inovações e invenções e (7) o comunicacional
¾
consiste de todas as formas de comunicação humana, tais como: linguagem falada,
escrita e de sinais, sons, danças e várias formas de expressão corporal. Este
último, tratando-se de pré-história, dificilmente será possível conhecê-lo e
interpretá-lo, o que é perfeitamente possível dentro dos estudos
antropológicos, etnológicos e históricos. O autor acrescenta que o enfoque sistêmico
mais holístico fornecerá, então, à arqueologia um poderoso instrumento
interpretativo.
A
relação entre os sistemas humanos e o meio foi muito explorada nesta corrente
teórica e realmente isto faz sentido à medida que nenhuma cultura pode ser estudada
sem que seu ambiente também o seja. Sendo assim, a Ecologia Cultural veio a
ocupar uma parte importante do corpo teórico do processualismo. “Esta visão não
deve ser pensada como um determinismo ambiental, porque nós a assumimos como
uma relação sistêmica entre o organismo humano e seu ambiente no qual a cultura
é a variável de intervenção” (BINFORD, 1962, p.218).
Julian
Steward (apud ARNOLD, 1985, p.13) foi pioneiro no estudo da ecologia cultural,
cuja abordagem procura generalizar as diferenças e similaridades pela análise
das relações entre as tecnologias culturais e ambientes particulares. O autor
utilizou o conceito de núcleo cultural, definido como:
uma
constelação de traços mais estreitamente relacionados com as atividades de
subsistência e com a organização econômica, incluindo os padrões sociais,
políticos e religiosos cuja íntima conexão com tais atividades pode ser
determinada empiricamente (LIMA, op.cit., p.18).
Contudo,
muitas críticas surgiram ao seu estudo, dentre elas: um certo determinismo
tecnológico, pouca ênfase dada aos aspectos mentais e ritualísticos da cultura
e a relação entre cultura e biologia (cf. MENEZES, 1998, p.13). A par destas
críticas e muitas outras não citadas, o pressuposto básico da ecologia cultural
pode ser assim melhor sintetizado: “o homem, por intermédio da cultura,
manipula e dá forma ao próprio ecossistema” (KAPLAN, MANNERS, 1975, p. 21).
Os
antropólogos de um modo geral fazem uma diferenciação entre cultura material e
não material. Segundo HOEBEL (1982, p.228-9), “a cultura material é sempre
produto direto da ação e consiste de bens tangíveis, tais como artefatos e
produtos da tecnologia. Já a cultura não material corresponde ao comportamento
humano em si”.
O
estudo da cultura material tomou grande impulso com o processualismo, a ponto
de surgirem estudos teóricos específicos sobre processos de formação do
registro arqueológico. Parte-se do princípio que o dado arqueológico consiste
de materiais em relações estáticas, que foram produzidos por sistemas culturais
e sujeitos à atuação de processos não-culturais. Desta forma, “o registro
arqueológico é uma reflexão distorcida do sistema de comportamento no passado”
(SCHIFFER, 1976, p.12).
Segundo
MENEZES (op.cit., p.112-3) assim poderíamos entender cultura material: “aquele
segmento do meio físico que é socialmente apropriado pelo homem; que tem nos
artefatos seu principal contingente, considerados como produtos e vetores de
relações sociais”.
Reconhecendo
a importância do registro arqueológico, BINFORD (1989, p.56-7) acentua:
a
arqueologia deve tornar-se uma ciência relacionada com a compreensão do
significado do padrão observado no registro arqueológico... de um sítio ou
coleção de materiais arqueológicos de uma região.
Além
dos dados provenientes do registro arqueológico, uma outra fonte de informações
foi considerada pelos processualistas ¾ a etnografia. Segundo
eles, ela poderia fornecer generalizações e leis para o comportamento humano
passíveis de serem aplicadas às culturas passadas como modelos interpretativos.
LUMBRERAS
(1981, p.31), por sua vez, entende a etnografia como informação que contribui
para entender a variabilidade da conduta humana. Já BINFORD (op.cit.), como um
neo-evolucionista, acreditava que o alto grau de regularidade do comportamento
humano poderia ser revelado em estudos etnográficos comparativos. Tais
regularidades, então, poderiam ser usadas para inferir muitos outros aspectos
das culturas pré-históricas que não podiam ser completamente observadas no
registro arqueológico. Não se opõe ao uso dessas analogias etnográficas, mas
elas não podem ser consideradas como a chave principal para a compreensão dos
processos de continuidade e mudança no sistema humano.
WILLEY
e SABLOFF (op. cit), no entanto, diferenciam analogia histórica específica e
analogia comparativa geral. A primeira, mais conhecida como analogia
etnográfica, opera dentro da perspectiva da existência de um continuum entre os tempos pré-históricos
e os históricos em uma dada área; a segunda, também etnográfica, tem seus pontos
de referência localizados no comportamento humano observado, como, por exemplo,
as características gerais que definem os grupos humanos como
caçadores-coletores e horticultores, embora sejam inúmeras as peculiaridades
contextuais.
LEROI-GOURHAM
(1986) e DUNNELL (1971) (apud TRIGGER, op.cit., p.366) alegam que a estreita
relação entre arqueologia e etnografia tem encorajado a propagação de
interpretações arqueológicas deficientes. Segundo eles, “o registro
arqueológico deve ser compreendido por seus próprios termos”. CLARK (1985,
p.25), ao contrário, enfatiza:
Os modos de
pensamento, as línguas, as formas de organização social e os valores das
sociedades fossilizadas no registro arqueológico, já não existem e, portanto,
não podem nos ajudar a interpretar o que recuperamos do solo. A informação
etnográfica, ainda que também incompleta e suscetível a erros de interpretação,
complementa os dados da arqueologia na medida em que se baseia no estudo de
comunidades que têm continuado operando até um passado próximo.
Sem
dúvida, o valor da etnografia para a arqueologia é imenso. Contudo, seu papel
restringe-se à ampliação do universo das hipóteses e à sugestão de novas
possibilidades interpretativas para o estudo dos sistemas culturais passados.
Uma
outra característica do Processualismo é a utilização do método
hipotético-dedutivo. Segundo WATSON, LEBLANC e REDMAN (1971), a formulação e
confrontação de ‘leis’ hipotéticas gerais conferem um caráter científico à
arqueologia.
Na medida
em que a dedução é um procedimento que parte do geral para o particular,
conseqüentemente as hipóteses são certas proposições gerais que visam predizer
acontecimentos particulares. Estas, por sua vez, podem ser aceitas ou refutadas
quando confrontadas com o resultado da pesquisa. No entanto, os pressupostos
não confirmados são tão importantes quanto os não confirmados, e em nenhum
momento depreciam o trabalho.
As hipóteses
são necessárias para dirigir a investigação, para determinar que dados
adicionais devem ser corrigidos e para guiar a análise dos dados (WATSON,
LEBLANC e REDMAN, op.cit., p.32)
Uma
inferência dedutiva pode chegar a uma conclusão final se possuir como premissas
uma teoria e uma série de condições iniciais, ou conjunto de conhecimentos
anteriores, que estabelecem uma situação ou contexto (POPPER, 1978,
p.28-30)
Segundo
TRIGGER (op. cit., p.327), ainda que New
Archaeology tenha defendido o estudo de todos os aspectos dos sistemas
culturais, as publicações científicas indicam que a maioria de seus seguidores
concentrou-se no estudo dos padrões de subsistência, do comércio e, em menor
escala, da organização social. Talvez sua maior deficiência tenha sido
acreditar na uniformidade dos sistemas culturais e que ela podia ser medida
pela identificação dos problemas ecológicos.
Muitas
críticas foram projetadas sobre o processualismo, diversas tinham e têm
fundamento. No entanto, não podemos pensar na New Archaeology enquanto uma corrente teórica que se encerra em si.
Ao contrário, ela vem sendo repensada e as muitas críticas têm contribuído para
isto.
Desta
forma, o corpo teórico do processualismo continua a ser redefinido, na medida
em que os pesquisadores-fundadores aperfeiçoam-se, descartando os pressupostos
teóricos incoerentes. Se as idéias e interpretações sobre as sociedades
passadas estão hoje mais coerentes e mais bem fundamentadas cientificamente,
talvez assim estejam pela contribuição incontestável da arqueologia processual.
A Arqueologia Pós-Processual
Surgindo
através de Ian Hodder, na Inglaterra, e de Mark Leone, nos Estados Unidos, e
incorporando uma variedade de influências, incluindo o marxismo, o
estruturalismo, a hermenêutica, o pós-positivismo, o idealismo, a história e,
de modo especial, o feminismo, a Arqueologia Pós-Processual criou o ambiente intelectual
ideal para o desenvolvimento por completo dos estudos de
gênero."Certamente, a arqueologia de gênero levanta a questão do
reconhecimento da variabilidade individual no passado" (WILLEY, SABLOFF,
op.cit., p. 301). Portanto, os pressupostos teóricos da Arqueologia
Pós-Processual e Arqueologia de Gênero constituem primordialmente a base de
sustentação científica de nossa abordagem.
Com
base em todas estas influências teóricas, o pós-processualismo enfatiza que a
relação entre cultura material e comportamento depende das ações dos indivíduos
dentro de contextos históricos culturais particulares (cf. HODDER, 1984, 1986,
KOHL, 1993).
A cultura
material não apenas existe. É feita por alguém. É produzida para fazer alguma
coisa. Então, ela não reflete passivamente a sociedade, ela cria a sociedade
através das ações dos indivíduos (...). Cada objeto arqueológico é produzido
por um indivíduo (ou um grupo deles), não por um sistema social (HODDER,
op.cit., p.6-7).
Sem os
indivíduos e suas práticas sociais, as sociedades não existiriam (SHANKS,
TILLEY, op.cit.). Estes autores também discorrem sobre a cultura material,
considerando-a como uma “objetificação do ser social”. Para eles, a cultura
material não deveria ser concebida como um elemento passivo que reflete
meramente as relações sociais, mas como resultado da articulação entre o social
e o individual. Assim, o maior desafio com o qual se confronta o arqueólogo é
atribuir significação a objetos aparentemente estáticos e sem significado.
A cultura
material só pode ser realisticamente interpretada a partir de totalidades
sociais e individuais dentro de contextos espaço-temporais definidos
(SHANKS, TILLEY, op.cit., p.132).
YOFFEE
e SHERRATT (1993) consideram que a cultura material não pode ser vista como um
mero reflexo do comportamento, na verdade, ela simboliza a relação entre as
pessoas e as coisas. Dentro desta mesma perspectiva, CSIKSZENTMIHALYI (1993)
enfatiza que o artefato é o produto da intencionalidade humana e o seu uso
simbólico mais freqüente é para promover a permanência das relações que definem
o indivíduo na rede social.
Para usar os
objetos feitos pelo homem como fontes para a história e para outras ciências
sociais, nós temos de lê-los, uma metáfora para interpretá-los (...). É
essencial conhecer o que os objetos significam para as pessoas que os
produziram e os usaram. Estas leituras de objetos sempre devem ser acrescidas
pelo que as pessoas dizem e escrevem sobre eles. Os objetos podem iluminar as
palavras, mas eles não podem substituí-las (MAQUET, 1993, p.39-40).
É
clara, portanto, a limitação imposta aos arqueólogos, pois a verdadeira
compreensão do significado dos objetos, perpassa o universo humano real,
principalmente a linguagem, a qual já não temos mais acesso. Assim o referencial
social ao invés do individual continua mais atual do que nunca no campo da
pesquisa arqueológica como propuseram os processualistas.
BRAITHWAITE
(1984, p.107 apud TRIGGER, 1989, p.341) considera que a compreensão do papel da
cultura material no ritual e as práticas de prestígio são o primeiro passo
importante na reconstrução de outras dimensões de mudanças e padrões
representados no registro arqueológico. O ritual nesta perspectiva tem a função
de reafirmar as relações sociais existentes, fazendo-as aparentar ser parte da
ordem natural ou valorizar o poder de grupos ou indivíduos privilegiados.
Grande
parte dos pós-processualistas critica a forma pela qual a teoria dos sistemas
foi utilizada na arqueologia processual, especificamente por Binford, pois componentes
ideológicos ou ideacionais, por exemplo, não foram considerados.
As divisões
feitas entre subsistência, comércio, sociedade e simbolismo podem não ser
apropriadas para as sociedades passadas. A divisão, baseada em leis, pode dar
um peso igual a todos os subsistemas, mas, na prática como temos visto, os
subsistemas materiais são dominantes (YOFFEE, SHERRATT, op. cit., p.26).
Da
mesma forma que o processualismo, também o pós-processualismo destacou a
importância do contexto, definindo-o como:
a
totalidade de dimensões relevantes de variação ao redor de qualquer objeto, que
forma uma rica rede de associações e contrastes. Esta rede de relações pode ser
lida, após uma análise cuidadosa, a fim de alcançar uma interpretação do seu
conteúdo significativo (HODDER, 1984, p.143-53).
O
estudo das similaridades e diferenças pode ser realizado através do tempo,
definindo-se continuidades, e ao longo do espaço, identificando-se significados
simbólicos e funcionais e a estrutura de distribuição dos objetos. Neste
sentido, o simbolismo atribuído a um objeto é simplesmente a descrição de
aspectos de seu contexto e uso (cf. HODDER, op.cit.).
Dentro
da perspectiva simbólica, Leslie White (1949 apud MOLINO, 1992, p.19) acentua
que “o homem não é tanto um animal racional, mas um animal simbólico que cria
símbolos ao mesmo tempo em que cria instrumentos”. Assim, “os homens nem
representam nem refletem o mundo, eles o constroem através dos símbolos”
(SHANKS, TILLEY, 1994, p.19).
Parece
evidente que o processualismo minimizou o papel do indivíduo dentro do sistema
humano. No entanto, a valorização individual da maneira como é colocada pelos
pós-processualistas, encontra no contexto funerário sua manifestação mais
visível, através das variáveis relevantes para o estudo de gênero na
pré-história e conseqüentemente diferenciação social.
Para
interpretarmos em arqueologia (...) deveríamos prestar a devida atenção ao
papel que as pessoas ou grupos distintos ocupam na história, com sua respectiva
consciência, representações, crenças, sistemas de valores sejam eles
individuais ou coletivos (GARDIN, 1992, p.93).
A
evidência arqueológica mais direta para o estudo de sexo e gênero na
pré-história vem das análises de enterramentos, pois quando estão disponíveis
no registro arqueológico podem fornecer informações sobre sexo em termos
biológicos e gênero em termos de diferenciação social através dos
acompanhamentos funerários (RENFREW, BAHN,
1996, p.207).
Com
esta perspectiva interpretativa YOFFEE e SHERRATT (op. cit.) e SHANKS e TILLEY
(op. cit.) definem a arqueologia, considerando-a como uma ciência
interpretativa na qual os símbolos, as ideologias e as estruturas de
significado não são meramente reflexões de como os homens tratam com as
variações do ambiente.
Quanto
ao uso da analogia etnográfica, HODDER (op.cit.) acredita que elas não são
confiáveis, porque se as coisas e sociedades tanto no presente quanto no
passado são semelhantes em alguns aspectos, isto não significa que elas sejam
em outros. “Se nós interpretamos o passado por analogia ao presente, nós nunca
descobriremos as formas de sociedades e culturas que já não existem hoje”
(HODDER, op.cit., p.14).
Posteriormente,
Hodder não se mostra mais tão arredio ao uso pela arqueologia do que ele chama
de conhecimento etnográfico. Segundo ele, “o conhecimento etnográfico
simplesmente contribui para a imaginação histórica, incitando novas
perspectivas e teorias alternativas” (op.cit., p.148). Esta aparente aceitação
decorreu talvez pelo fato de que foram as analogias etnográficas que lhe
permitiram desenvolver estudos denominados etnoarqueológicos, que tinham como
base à comparação de sítios arqueológicos recentes com seus respectivos
produtores numa mesma área. Diversos estudos etnoarqueológicos foram realizados
por ele na América do Norte e na África.
Autores como
YOFFEE (1994), SHANKS e TILLEY (op. cit.) não demonstram tanta aceitação pelos
estudos etnográficos aplicados à arqueologia, pois para eles uma sociedade
enquanto configuração única possui características próprias, que não se repetem
e, portanto, não são passíveis de serem comparadas ao longo do tempo e do
espaço. “Nenhum processo de mudança em longo prazo no passado pode ser
adequadamente modelado, baseando-se em observações do presente em curto prazo”
(YOFFEE, op.cit., p. 9).
No
que se refere ao método, HODDER (op. cit.) reconhece a necessidade de se
estabelecer uma base teórica bem estruturada, mas utilizando procedimentos
tanto dedutivos quanto indutivos. SHANKS e TILLEY (op. cit.) não acreditam
também que um único método, especificamente o hipotético-dedutivo, possa ser
determinado para a arqueologia.
A
compreensão do passado é um processo dialético ocasionado por ajustes contínuos
de idéias, conceitos e representações e não é algo que possa ser fixado por um único
método tal como o hipotético-dedutivo (SHANKS e TILLEY, op.cit., p.108).
[1] Para
maiores informações sobre a influência do marxismo na arqueologia americana ver
: GILMAN, Antonio. Marxism in
American Archaeology.
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