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sexta-feira, 19 de abril de 2013

Como era verde o meu vale... Arqueologia e modo de vida rural no Rio de Janeiro do Século XIX

Paulo Seda[1]

            Levantamentos arqueológicos desenvolvidos em função de empreendimento de instalação de dutos de gás da PETROBRAS (Projeto GASDUC) revelaram, no atual Município de Silva Jardim, Rio de Janeiro, evidências de uma história muito mais rica e densa, do que hoje demonstra a situação do Município. Dentre estas evidências destaca-se o encontro e a escavação de uma casa de fazenda do século XIX, no atual e diminuto distrito de Gaviões (antiga Freguesia de Nossa Senhora da Conceição dos Gaviões transformada em 1860 em distrito de Nossa Senhora da Lapa do Capivari – 1801-, que deu origem ao Município). Os dados iniciais apontam que na propriedade produzia-se aguardente, que dali era enviada para o porto fluvial de Porto das Caixas, no atual Município de Itaboraí, importante escoadouro na época, além de fumo. As dimensões da casa escavada e a quantidade e qualidade do material encontrado – vidros (bebidas, remédios e perfumes), louça, cachimbos, etc. – apontam para uma intensa atividade econômica e permitem inferências sobre o modo de vida de famílias rurais no séc. XIX.

Introdução
            Através de Contrato assinado entre a PETROBRAS – Petróleo Brasileiro S.A. e o IAB – Instituto de Arqueologia Brasileira, estabeleceu-se o Projeto GASDUC III: Salvamento, Monitoramento Arqueológico e Educação Patrimonial na Faixa do Gasoduto GASDUC III, sob nossa coordenação.
            O Projeto objetivou proceder ao salvamento arqueológico e o monitoramento (acompanhamento das obras) da área onde foi implantado o Gasoduto GASDUC III, entre os Municípios de Macaé e Duque de Caxias, Rio de Janeiro, atravessando, além destes Municípios, os Municípios de Rio das Ostras, Casimiro de Abreu, Silva Jardim, Cachoeiras de Macacu, Guapimirim e Magé, perfazendo um total aproximado de 179 km de extensão, em faixa de servidão, em sua maior parte já existente, com largura variável entre 20 e 30m. Foi realizado também o trabalho de educação patrimonial.
O Gasoduto GASDUC III foi implantado em áreas da Região Norte Fluminense (Macaé), das Baixadas Litorâneas (Rio das Ostras, Casimiro de Abreu, Silva Jardim, Cachoeiras de Macacu) e Metropolitana (Baixada Fluminense) (Guapimirim, Magé e Duque de Caxias).[2]
Fig. O1 MAPA DO TRAÇADO DO GASODUTO GASDUC III
Embora parte da área já esteja bastante degradada, sobretudo na região Metropolitana, contava-se com a possibilidade do empreendimento cortar pontos de interesse histórico e arqueológico, ressaltando-se que a arqueologia vem mostrando a possibilidade de se obter dados significativos, mesmo em ambientes já degradados. Por outro lado, segundo o que já foi levantando para a ocupação antiga do Rio de Janeiro, o ambiente das Baixadas Litorâneas (aqui, para fins arqueológicos, incluindo o Município de Macaé) e o fundo da Baía da Guanabara (Guapimirim e Magé) favoreceu a instalação no passado de populações pré-cerâmicas (sambaquianas), bem como horticultores-ceramistas, sejam indígenas (tradição Tupiguarani) ou neobrasileiros (Fase Calundu), havendo também a possibilidade da presença de populações horticultoras da Tradição Una. Para os Municípios de Casimiro de Abreu, Silva Jardim e Cachoeiras de Macacu, existiam muito poucas informações arqueológicas, mas, contudo, são municípios que ainda não haviam recebido um levantamento sistemático, o que, respeitado os limites, aconteceu com o Projeto GASDUC.
Assim, confirmando as expectativas, durante o levantamento, na RJ 140 (Silva Jardim – BR 101 - a Japuíba, Distrito de Cachoeiras de Macacu), a partir do km 99 da Faixa de Dutos, passamos a encontrar vestígios históricos, destacando-se:
  1. Sítio Grupo Velho: próximo ao km 99+350, entre a antiga faixa de dutos e o novo traçado do Gasduc III, foram localizados três conjuntos de alinhamentos de pedras (baldrame) e material de superfície. O primeiro segmento transversal à estrada, possuía dois metros de comprimento e vinte e cinco centímetros de largura, onde se evidenciou, próximo a uma das extremidades, um toco de madeira, que provavelmente tratava-se de uma coluna de sustentação, medindo quinze centímetros de diâmetro. Já o segundo segmento, que se localiza no meio da estrada RJ-126, está a uma distância de doze metros do anterior, medindo um metro e vinte centímetros de comprimento por um metro e oitenta centímetros de largura. O último segmento localiza-se a dezenove metros do primeiro, em diagonal à estrada, em um pasto na margem direita da estrada e mede oito metros de comprimento por quarenta centímetros de largura, onde, em uma das extremidades, há também um tronco de madeira com cerca de quarenta centímetros de diâmetro, provavelmente com a mesma finalidade que o outro tronco. Próximo à outra extremidade desse terceiro segmento, observamos parte de uma tigela cerâmica fragmentada. Na superfície desse sítio foram coletados metal, vidro, cerâmica, stonewear, moedas. Segundo informações, tratava-se dos restos de uma casa assobradada de 1815.
  2. Sítio Engenho Paraíso: próximo km 103 da faixa de dutos (50m, à esquerda), no leito da RJ 126, em área do Sítio Paraíso, é formado por dois conjuntos de estruturas, distantes cerca de 50m entre si. O primeiro conjunto é formado por restos de uma construção com base em pedra em uma pequena elevação. O segundo conjunto, maior, apresenta aqueduto, o poço onde funcionava uma roda d’água, e outras evidências, conformando um engenho. Ao que tudo indica, as estruturas seriam também dos primeiros anos do século XIX.
  3. Sítio do Emboque: situado dentro da faixa de dutos, no km 104, junto ao emboque leste do túnel[3], em local denominado “Sítio Vô Luis” e formado por dois conjuntos de estruturas. O primeiro é composto por três estruturas de residências, uma pequena barragem e um pequeno forno para fabricação de tijolos ou telhas, escavado no barranco. O segundo, 100m abaixo do primeiro, apresenta restos de estrutura de uma residência.
Os dois últimos sítios, embora tenham sido acessados a partir de Silva Jardim, já se encontram no Município de Cachoeiras de Macacu. Estas evidências nos levaram a recomendar monitoramento (acompanhamento das obras) a partir do km 99 até o ponto do emboque, pelo menos, e o resgate do Sítio do Emboque.[4]
Contudo, durante o desenvolvimento da obra, a mudança do traçado na altura do Sítio Grupo Velho, trouxe também a necessidade de seu salvamento.
Desta forma, justificava-se plenamente um programa de prospecção, salvamento e monitoramento da área, antes e durante a implementação do gasoduto.
Trataremos a seguir do resgate dos sítios do Emboque e Grupo Velho.[5]

Métodos e técnicas: resgate (salvamento)
            O salvamento – que inclui as etapas de levantamento (fase preliminar de verificação do potencial arqueológico) e monitoramento (acompanhamento da obra) – tem por objetivo localizar e salvaguardar locais, sítios e/ou materiais que atestem à presença da cultura humana no passado e que se encontrem em perigo de destruição. Desta forma, em caso de resgate, os sítios empregamos a abordagem costumeira das escavações arqueológicas, uma vez que:
A escavação mantém seu papel protagonista no trabalho de campo porque proporciona a evidência mais fidedigna para os dois tipos de informação que mais interessam aos arqueólogos: 1)as atividades humanas em um período determinado do passado; e 2)as mudanças experimentadas por essas atividades de uma época a outra. Poderíamos dizer, em linhas muito gerais, que as atividades simultâneas têm lugar de forma horizontal no espaço enquanto que suas mudanças se produzem verticalmente no tempo. Esta distinção entre “segmentos de tempo” horizontais e seqüências verticais é o que constitui a base de boa parte da metodologia de escavação (Renfrew e Bahn, 1993: 94).

            Empregamos na escavação aquelas técnicas já consagradas pelo uso e aplicadas ao longo da existência do IAB - Instituto de Arqueologia Brasileira, onde tivemos nosso treinamento (Cf. Dias Jr., 1975).
            Os sítios são, a princípio, quadriculados em setores de 2mx2m, a partir de um marco ZERO (estabelecido em uma das extremidades ou no centro do mesmo), identificados por duas letras e um número: as linhas numeradas “correm” paralelas ao marco ZERO e as alfabetadas perpendicularmente a este. No caso do marco ZERO ser estabelecido no centro do sítio, dividindo-o em quatro grandes quadrantes, de acordo com os pontos cardeais.
No caso de sítios arqueológicos históricos com grandes extensões espaciais, muitas vezes não contínuas, acentuados desníveis topográficos e muitas estruturas de alicerces de pedra completos e incompletos, como os resgatados no empreendimento, adaptamos esta metodologia, com a realização de transects ao longo da parede externa de cada uma das estruturas encontradas a fim de evidenciá-las, verificar sua profundidade e composição.
            Cada transect tem em média 30cm de largura com profundidade variando para cada estrutura escavada a qual, por sua vez, recebe um número específico e contínuo em cada sítio pesquisado. Uma decapagem superficial também é realizada na porção interna das estruturas, ou naquelas mais bem preservadas, objetivando melhor evidenciá-las e encontrar vestígios arqueológicos que caracterizem sua utilização.
            A decapagem, em sítios históricos ou pré-coloniais, optamos faze-la por níveis artificiais com, normalmente, 10cm de espessura, observando-se as possíveis mudanças de camada no reconhecimento e identificação do material, uma vez que as diferenças de cor, granulação, etc., entre as camadas do sítio muitas vezes são mínimas e praticamente imperceptíveis durante a escavação. Entendemos que “nem sempre é possível ou justificado trabalhar com decapagem e estratigrafia ‘natural’: mais uma vez, o arqueólogo deve se adaptar ao sítio, e não ao contrário” (PROUS, 1996: 143).

            Todos os restos culturais (artefatos, matéria prima, objetos, etc) são recolhidos, embalados por categoria e identificados por nível. Realizamos ainda coletas de sedimento (para análise pedológica e palinológica), carvão (como amostra vegetal e para datação - análise de C14) e restos alimentares, a fim de registrar todas as características do sítio. O sedimento para análise de pólen e o carvão para C14 são coletados obedecendo-se os cuidados básicos para que não ocorra contaminação.
            Todas as etapas de trabalho são documentadas fotograficamente, além de serem elaboradas plantas e croquis, preenchidas fichas e elaborado um diário de campo.

Sítios Resgatados
            Foram identificados ao longo do Gasoduto GASDUC, durante as atividades de arqueologia (levantamento e monitoramento), dez sítios arqueológicos, sendo que dois foram resgatados, um, o Sítio do Emboque, já previamente estipulado que sofreria resgate – encontra-se exatamente no Emboque Leste do túnel e seria cortado pelo gasoduto, além de outros impactos – e o Sítio Grupo Velho, cujo resgate se fez necessário a partir do monitoramento, com a mudança do traçado da faixa de dutos. Os demais sítios, não justificavam uma intervenção de resgate, como pode ser verificado nos relatórios do Projeto, bem como pelas fichas de registro.
            Segue o detalhamento dos dois sítios resgatados.

1 – Sítio do Emboque
Situado dentro da faixa de dutos, no km 104, junto ao emboque leste do túnel, em local denominado “Sítio Vô Luis” e formado por dois conjuntos de estruturas. O primeiro é composto por três estruturas de residências, uma pequena barragem e um pequeno forno para fabricação de tijolos ou telhas, escavado no barranco. O segundo, 100m abaixo do primeiro, apresenta restos de estrutura de uma residência. Com o início do resgate, estas estruturas foram ampliadas para sete.
Foram evidenciadas as estruturas nº 1, 2, 4 e 5, em todas elas sendo coletado louça, vidro, metal, cerâmica e cachimbo. Na estrutura nº 6 foi evidenciada parte de uma pequena barragem para coleta de água ou criação de peixe. Também foram evidenciados dois fornos para fazer carvão e/ou tijolos, escavados na frauda do morro, com sua cúpula de tijolo. Já a Estrutura 3, infelizmente já havia sido destruída antes do início do resgate.

DESCRIÇÃO DAS ESTRUTURAS

Estrutura 1
A estrutura era constituída por dois cômodos: um maior, que mede 9,85 X 5,55m, onde evidenciamos os baldrames externos e a escada de acesso, situada na parede Leste. Nesse cômodo maior não encontramos vestígios de parede, com exceção daquela que separa esse cômodo do seguinte. O cômodo seguinte, a cozinha (4,30 X 3,40m), possui duas estruturas, que são: um fogão a lenha e um forno, ambos estão na parede Oeste. O piso de ambos os cômodos era de terra batida.
Após evidenciarmos os baldrames, identificamos restos de moirões, que serviam de sustentação para as paredes, as quais possivelmente eram de pau-a-pique, devido à ausência de tijolos e pelo fato de termos encontrado argamassa com pintura em cal.
Na parte externa da estrutura, principalmente nas paredes Norte, Leste e Sul, observamos pedras junto a casa, que serviam de calçada. Também na porção Sul, verificamos a existência de outra escada, que dava acesso para a cozinha. A cobertura da estrutura era com telhas coloniais, devido a grande quantidade encontrada durante a escavação e todas estavam fragmentadas.
FIGURA 02 – SÍTIO DO EMBOQUE CONJUNTO 1 ESTRUTURA 1
FIGURA 03 - Vista da possível cozinha na Estrutura 1, Conjunto 1, ao fundo fogão e forno.
FIGURA 04 - Final dos trabalhos - Est. 1 Conj. 1 - Vista geral

Estrutura 2
Essa estrutura (4,20 X 3,40m) localizava-se sobre um pequeno morrote, distando 2 metros da Estrutura 1.
No interior evidenciamos um baldrame de madeira, encontrado no centro da estrutura, dividindo-a em duas partes.
Observamos que faltam muitas pedras, em pelo menos três lados da estrutura. Essa descontinuidade indica que houve desmoronamento ou retirada proposital para outros fins.

Estrutura 4
Estrutura (6,20 X 4,70m) situada cerca de 10,5 m da Estrutura 1 em sentido Oeste. Encontrava-se coberta por vegetação de pasto, apresentando forma retangular, sendo limitada apenas pelos baldrames em pedra, presentes em três de seus lados, somente o lado Sudoeste não possui pedra.
Procedemos à limpeza externa e interna da estrutura, expondo, desta forma, seus baldrames, bem como uma concentração de pedras em seu interior, a qual se tratava de um forno ou de um fogão a lenha, localizado no ângulo Norte da estrutura.

Estrutura 5
A Estrutura 5 (3,70 X 2,50m) dista cerca de 10 metros ao Sul da Estrutura 1. Após realizar a capina e a limpeza das áreas interna e externa, verificamos que o baldrame do lado Oeste está mais completo que os dos lados Sul e Leste, e o do lado Norte não mais existe.
No interior não observamos qualquer tipo de piso ou de paredes internas ou externas, a estrutura é composta de apenas um cômodo e suas paredes eram de pau-a-pique.

Estrutura 6
Trata-se de uma barragem localizada ao Norte das demais estruturas. Encontra-se em um pequeno vale junto a uma vertente. Evidenciamos a estrutura (4,50 X 1,20 X 1,00m), construída com grandes blocos de pedra nas laterais, tendo no meio desses grandes blocos de pedra, outras menores. O lado Sul está em um aclive e no lado Norte as pedras estão ausentes. Talvez a construção não tenha sido concluída ou depois de construída não suportou o peso da água, rompendo e espalhando as pedras no charco.
FIGURA 05 – ESTRUTURA 6 - BARRAGEM

Estrutura 7
É composta de dois fornos, que estão localizados em um pequeno vale, próximo ao riacho, e a Sudoeste da Estrutura 4, distante aproximadamente 100m da mesma.
O primeiro é uma construção simples e característica das formas construtivas encontradas. Escavado em um barranco, a meia-encosta, com a boca, que mede 0,55 X 1,60m, voltada para o riacho, na direção Sudoeste. O interior possui diâmetro de 2,20 metros, não há revestimento nas paredes e sim o sedimento natural e algumas pedras. Observamos ainda, três chaminés para alimentar a combustão. A parte superior destruída, provavelmente era uma cúpula fechada com tijolos maciços. Para acessar o interior do forno, há um pequeno corredor escavado no próprio barranco, com uma porta de entrada. Ao que tudo indica era utilizado para fabrico de carvão.
FIGURA 06 – ESTRUTURA 7, FORNO 1 EVIDENCIADO
O segundo forno está localizado no mesmo vale do primeiro, sendo que mais para o interior, a uma distância de 50 metros do primeiro. A forma construtiva é bem parecida com a do anterior, também escavado no barranco a meia-encosta. A boca está voltada para o riacho, na direção Sul, a uma distância de 6 metros do mesmo riacho. A cobertura também de tijolos maciços, provavelmente em forma de cúpula. O diâmetro dessa estrutura é de 2,20 metros. Observamos três chaminés na parede interna, que não possui revestimento. No fundo há uma grande pedra que ocupa cerca de 80% desse espaço e provavelmente levou ao seu abandono, pela produtividade, em função dessa pedra. Seria também apara a fabricação de carvão.
A evidenciação da estrutura do Conjunto 2 mostrou-se muito incompleta, tornando mesmo difícil identificar sua finalidade. Nenhum baldrame foi localizado, apenas pedras alinhadas. Observamos, durante a escavação, a presença de uma areia amarelada de granulação grossa, possivelmente de fundo de rio, o que estaria de acordo com a localização do Conjunto (a beira do córrego). Certamente, o rio quando enche atinge a estrutura e é bem possível que isto tenha levado ao seu abandono. Pouquíssimos fragmentos de louça foram coletados no local.
As Estruturas 1 e 2, necessitaram ser removidas para continuidade da obra. Segundo as informações e justificativas apresentadas pela contratante, seria preciso construir tanques de decantação, para limpeza da água utilizada na abertura da rocha no túnel e seu retorno ao córrego local. O ponto onde estes tanques precisavam ser construídos correspondia ao destas estruturas.
Submetemos esta questão ao IPHAN, ressaltando que, de nossa parte, embora lamentando, nada tínhamos a opor, uma vez que considerávamos o trabalho nas estruturas encerrado. O IPHAN, por sua vez, pronunciou-se, favoravelmente a solicitação da Petrobras, desde que houvesse acompanhamento arqueológico. Assim foi feito, com a equipe acompanhando todo o trabalho de remoção das estruturas.
O material encontrado nas estruturas, inscreve-se nas seguintes categorias:
. cerâmica: em sua maioria neobrasileira (fragmentos de vasilhas de médio e pequeno porte, apresentando decoração escovada, e apenas um caco com engobo branco internamente), seguida da colonial (coleção pequena), apresentando tempero fino e queima redutora. Foram encontrados além de fragmento de cerâmica stoneware, bem como fragmentos com intervenção na superfície, entre elas, o vitrificado e o verniz de galena;
. louça: dividida em Faiança Fina e Porcelana. Fragmentos de pires, pratos, tigelas e xícaras, dentre outros, com um caco com marca de fabricação nacional, sendo – FL SC – SP. 1926/1969.
. metal: representado por diversas peças, algumas muito oxidadas, impedindo a identificação de algumas delas. São dobradiças, ferraduras, correntes, manivelas de moenda, puxador, fivelas, argolas, cravos, dentre outras.
. vidro: compreende amostras de vidro plano, branco e colorido, garrafa e litro; frascos diversos, com ou sem marca, inclusive de laboratório (medicamento); copos, cálices, etc. As marcas nos vidros de medicamento mais antigos são: Magnézia Fluida Recarbonatada de Patente de Sir J. Murray – 1895; Magnézia Fluida Bouskela e o Elixir de Nogueira, Salsa, Caroba e Guáiaco do Farmacêutico João da Silva Silveira Este último, trata-se de um preparado alcoólico adocicado e aromatizado contendo pequenas quantidades de substâncias medicinais em solução. Aparece nas propagandas do final do século XIX aos anos 20 do século XX como um depurativo do sangue, mas era empregado no tratamento da sífilis. Era remédio de um farmacêutico em Pelotas – RS, mas pelo menos desde 1918, o produto já era fabricado no Rio de Janeiro, em laboratório instalado na Rua da Glória, 62.[6]
. cachimbos um cachimbo ou pito de cerâmica com uma pequena parte da borda fragmentada e um fragmento foram encontrados. A técnica da confecção foi a de moldes, tanto que, os motivos geométricos que adornam o fornilho dessas peças, são iguais.
. ósseo animal: procede da Estrutura I e são de dois tipos: mamíferos de médio porte, possivelmente porco ou anta e avifauna, provavelmente galinha. Apresentavam sinais de terem sido consumidos na dieta alimentar e não mostram evidências de modificação intencional. azulejo e piso: fragmentos de azulejos indicam peças comuns, e pouco espessas, cerca de 3cm, provavelmente retangulares. Igualmente os fragmentos de piso indicam peças comuns, com destaque para fragmento de pedra bruta que estava localizada no exterior da residência, possivelmente na escada de acesso, pois o interior do imóvel era de terra batida.
A escavação na Estrutura 1, proporcionou, também, a descoberta de 56 moedas nacionais, sendo todas do século XX.
Além destes materiais, encontramos pedaços de reboco, composto de barro e conchas queimadas, e o acabamento em cal branco. Não houve ocorrência de tijolos, sendo assim, concluímos que a Estrutura 1 (casa) teria as paredes de pau-a-pique e o reboco como revestimento externo. Evidenciamos ainda na Estrutura 1, restos de madeiras (braúna, peroba), que seriam os moirões de sustentação das paredes.
Os tijolos, que estavam somente na Estrutura 1, faziam parte da construção do forno e do fogão de lenha, e foram encontrados próximos a eles.
Foram observados fragmentos de telhas coloniais no entorno das Estruturas 1 e 2. Já nas Estruturas 4 e 5 não encontramos telhas, supomos então, que a cobertura dessas construções eram de sapê.
Coletamos dois fragmentos de pedra de amolar. Esse tipo de pedra de amolar, comum, ainda hoje, no comércio em diversas regiões do Brasil.

2 – Sítio Grupo Velho
Próximo ao km 99+350, entre a antiga faixa de dutos e o novo traçado do Gasduc III, o sítio, embora localizado durante a fase de levantamento, não foi, inicialmente, selecionado para resgate, uma vez que se encontrava relativamente distante do traçado novo do gasoduto (e parte dele na estrada).
Contudo, durante o monitoramento, foi constatado mudança no traçado do gasoduto, que passou a estar bem próximo do sítio, inclusive expondo material. Desta forma, procedeu-se o resgate do mesmo, através de duas estratégias:
  1. abertura de uma trincheira longitudinal a faixa com 25 metros de comprimento e 2 metros de largura, cuja profundidade, variada, atingiu no máximo 40cm. Nesta abordagem, o mais significativo foi a evidenciação, perpendicular a trincheira, de uma canaleta de tijolos e um manilhamento de manilhas francesas, além do encontro de diversos fornilhos de cachimbos.
  2. evidenciação da Estrutura 1, Conjunto 2, que havíamos registrado durante o levantamento e que passou a estar junto da área de influência direta do gasoduto, lado sul da faixa. A escavação mostrou tratar-se de uma grande estrutura de casa (alicerce), possivelmente construída em mais de uma etapa, com baldrames de pedras e onde foi possível identificar dez cômodos, além de uma área externa. O material coletado foi variado e em grande quantidade.
FIGURA 07 – PLANTA BAIXA DO SÍTIO GRUPO VELHO

TRINCHEIRA
            Iniciamos o resgate abrindo uma trincheira no local demarcado para colocação do duto, medindo 25 metros de extensão e 2 metros de largura, escavando-se níveis artificiais de 0/20 cm, 20/35 cm e 20/40 cm onde encontramos a camada estéril.
            Foram evidenciados um baldrame de pedras e uma parede em tijolo maciço que estava desmoronada e dois esteios ou mourões de madeira localizados no meio da trincheira, sentido Leste/Oeste com pequeno desvio para o Norte.
            Na parte Leste, colocamos à mostra uma canaleta de tijolo, essa canaleta não possuía cobertura e apresentava no fundo areia lavada, estando no sentido Sul / Norte.
FIGURA 08 - Exposição da canaleta de tijolos NA TRINCHEIRA.
            No lado Oeste escavamos um segmento de manilhas de barro, que seguia em sentido Sul/Norte. Observamos nessas peças inscrições provenientes do fabricante de origem francesa: REMUZAT AUBAGNE (BdR).[7]
Figura 9 - Vista geral da trincheira, nível 20/40 e 0/20, manilhamento e tijolos em primeiro plano.
            Pelo que levantamos, Remuzat (ou Remuzát) é uma comuna francesa na região de Ródano-Alpes (departamento de Drôme). É, também, um nome de família muito comum na França (por vezes com a grafia Remusát). Por outro lado, Aubagne é outra pequena comuna, localizada 17 km a leste de Marselha no Departamento de Bouches-du-Rhône (o BdR da manilha), região da Provença, ao sul da França. Aubagne tem uma forte tradição ceramista, havendo vários ateliers e escolas de cerâmica na cidade. Trata-se, portanto, de uma manilha de fabricação francesa .
            O material coletado em toda a área da trincheira foi: cerâmica, louça, lítico, ósseo animal, stoneware, metal, vidro, cachimbo de barro. Deve-se ressaltar, que já na trincheira impressionou o número de cachimbos encontrados: 97, entre fragmentos e fragmentados

CONJUNTO 2 – ESTRUTURA 1
            Localizada próxima da trincheira, lado Sul. Iniciamos a abordagem fazendo um corte-teste de 50 X 50 cm e 30 cm de profundidade, junto do baldrame de pedra que estava evidente. Coletamos, nessa intervenção, grande quantidade de material. A partir daí seguimos evidenciando os baldrames em pedra sobrepostas, que variavam de tamanho, de largura e profundidade, já que em alguns lugares estava mais profunda ou faltava. A falta de algumas pedras, explica-se pela ação de arado, quebrando a seqüência construtiva da casa de fazenda de meados do século XIX.
            A escavação indicou que a construção histórica possuía dez cômodos de tamanhos diferentes.[8] O cômodo 8, no lado leste, era a entrada da residência pois verificamos uma calçada também de pedras e desse mesmo cômodo até o cômodo 6 evidenciamos um seguimento de tijolos maciços que parece ser uma jardineira.
FIGURA 10 – VISTA GERAL DA ESCAVAÇÃO
            Escavamos todos os baldrames dos lados interno e externo e também no interior dos cômodos 2 e 8. Esses cômodos foram escavados no interior devido a grande quantidade de material arqueológico encontrado durante a evidenciação dos baldrames e na abertura do corte-teste no cômodo 2.
FIGURA 11 – Estrutura 1, material no Cômodo 2, junto ao baldrame.
FIGURA 12 – ESTRUTURA 1, MATERIAL DIVERSO NO CÔMODO 2
            Junto dos baldrames, no lado Oeste, na denominada área externa, encontramos um piso de pedras e sobre ele outro piso de cerâmica e vários tijolos com resto de carvão, indicando que nesse local provavelmente havia um fogão de lenha. Evidenciamos outro segmento de manilhas: iniciava-se no lado Sul, a mais ou menos 13 metros de distância da casa, seguia em direção a área externa, passando embaixo da calçada de tijolos (revestida com uma argamassa de cal e concha). Seguindo a calçada e as manilhas, observamos um tanque rebaixado, com o fundo e as paredes construídos com tijolos e revestidos com argamassa de cal e concha.
            Ainda na área externa, encontramos um segundo tanque, próximo do outro, as paredes e o fundo de pedras e revestimento de cal e concha. As manilhas prosseguiam pela base desse tanque e terminavam em uma caixa de passagem que encontrava a canaleta e as manilhas francesas. Percebemos que nesse local, onde termina o segmento das manilhas, o terreno é mais baixo, poderia ter sido na época uma área alagada, propicia para o escoamento de água ou resíduos.
FIGURA 13 - Estrutura 1, Área Externa, TANQUES 1 e 2.
            Durante a escavação, recolheu-se as seguintes categorias de materiais:   
. cerâmica, sendo a maior parte dela neobrasileira, aparecendo a colonial em bem menor quantidade, enquanto cerâmica totalmente indígena não foi registrada;
. louça, em grande quantidade, tanto branca quanto decorada, a maioria do tipo Ironstone China, marca J&G Meakin Hanley England;
. lítico, totalizando 243 peças, a maioria produtos de lascamento, mas registrando-se também pederneira e fragmento de vaso de esteatita;
. stoneware, na forma não só de garrafas, mas também, por exemplo, tinteiros;
. metal, peças muito oxidadas, representando dobradiças, ferraduras, correntes, puxador, fivelas, argolas, cravos, ferramentas, entre outros;
. vidro, igualmente em grande quantidade, representando, principalmente, por garrafas de bebidas, óleo de rícino e vidros do medicamento Bálsamo Homogêneo Simpático, além de outros medicamentos, perfumes e tinta para tinteiro;
. cachimbos de barro, também em grande quantidade, concentrados no Cômodo 2 (somente três não estavam neste cômodo), onde computamos, entre fragmentos, fragmentados e inteiros, 164 peças. Alguns já são moldados e coletamos um cachimbo de louça fragmentado.
. ósseo animal, coletou-se 433 fragmentos (incluindo a Trincheira e outras intervenções), a maioria de bovídeo e porco, além de ossos de animais não domésticos (como paca, queixada, jacu, etc.). Encontramos também, objetos em osso, como espátulas e escovas de dente.
Percebe-se a grande presença de materiais importados: louça (a maior quantidade) com padrões como Willow, Azul Borrão, Chang, faiança portuguesa e outros , além de vidros de remédios, bebidas e perfumes e as próprias manilhas.
FIGURA 14 – LOUÇA
FIGURA 15 - XÍCARAS DE LOUÇA
FIGURA 16 - VIDRO DE BÁLSAMO HOMÔGENEO SIMPÁTICO
FIGURA 17 - COLEÇÃO DE CACHIMBOS
FIGURA 18 - CACHIMBO DE LOUÇA
FIGURA 19 - ESCOVA DE DENTE EM OSSO
            A escavação mostrou tratar-se de uma grande e sólida residência, com fundação de pedra, coletadas nos rios próximos, assoalhada, paredes de tijolos maciços revestidas de argamassa de cal e concha e telhado de telhas coloniais. A área externa, onde foram localizados os tanques, poderia ser um pequeno alambique ou lavador de café.
            Segundo o levantamento histórico, a fazenda exportava sua produção de cachaça no Porto das Caixas, em Itaboraí. Conforme a história oral na propriedade havia ainda plantação de café e tabaco, esse último para consumo interno. Mais a frente, tentaremos situa-la na história da região.
            Ao final da escavação, na impossibilidade de deixar a estrutura exposta, toda ela foi coberta com uma tela e, em seguida, preenchida com areia lavada.

Conclusão
            Os trabalhos arqueológicos, com o resgate dos sítios do Emboque e Grupo Velho, trouxeram um importantíssimo aporte à história da região de Silva Jardim, uma história na verdade pouco conhecida. Sintetizando, podemos dizer que foram escavadas duas residências, uma bem modesta – o Sítio do Emboque -, constituída, possivelmente, de uma casa de taipa e outras dependências; e outra bem mais faustosa – o Sítio Grupo Velho -, uma grande casa de fazenda.
            Sobretudo, chama a atenção, o contraste entre a rica casa do Sítio Grupo Velho e a situação atual do Município de Silva Jardim: um município que parece estagnado e que vem decrescendo demograficamente ano a ano. O distrito de Gaviões, onde está o sítio, não passa, hoje, de um pequeno povoado, com, praticamente, apenas uma rua (Anexo 11 – Fotos 120 a 123).
            Para tentarmos entender isto, é preciso resgatar um pouco da história da formação do Município.
A história do distrito de Gaviões – antigo Curato de Nossa Senhora da Conceição de Gaviões – está atrelada a de Capivari, atual Município de Silva Jardim, Região das Baixadas Litorâneas.
Na primeira metade do século XVIII, em Aldeia Velha, foi erguida uma capela e fundado um aldeamento de índios guarulhos sob a administração do capuchinho italiano Frei Francisco Maria de Todi. Com o arruinamento da referida capela, escolheu-se outro local para assentar o aldeamento e edificação de uma nova capela, sob a invocação de Sacra Família de Ipuca. O local escolhido, foi a margem do rio São João. A capela teria sido concluída em 1748. Após o ano de 1753 a administração do aldeamento e da capela passou para as mãos dos padres seculares, que não demonstraram interesse pelo local, o que veio a provocar a dispersão dos índios e a extinção do aldeamento. Com sua extinção, suas terras são repartidas e distribuídas aos colonos que as requeriam.
Provavelmente na segunda metade do século XVIII, foi erguida uma capela em louvor a N. S. da Lapa de Capivari[9], às margens da Lagoa de Juturnaíba. Ainda no século XVIII, na fazenda de Manoel Azevedo Silveira e D. Maria Rodrigues, foi erguida uma ermida dedicada a Sant' Anna. Para alguns, esta teria sido o marco de ocupação do povoado de Capivari e estaria localizada entre a Serra dos Aymorés e o rio Bacaxá.
A partir de 1800 a Matriz da Freguesia de Sacra Família de Ipuca entra em processo de arruinamento que, associado a surtos epidêmicos, motiva a transferência da sua sede para a foz do rio São João, onde é erguida uma igreja, consagrada a São João Batista. Desta forma, hoje, a sede da freguesia estaria localizada em Barra de São João, distrito do Município de Casimiro de Abreu (antigo Indayassu), muito distante de Ipuca, às margens do rio São João.
Quanto a Capela de N. S. da Lapa de Capivari, que fora edificada às margens da Lagoa de Juturnaíba, em 1801 é elevada à categoria de freguesia e, posteriormente, em 1841, ocorre a elevação da então freguesia à Vila de Capivari. Em 1890, já no período da República Velha, a vila adquire foros de cidade. Durante o governo de Getúlio Vargas, em 1943, o Município de Capivari tem seu nome substituído por Silva Jardim, homenagem ao jornalista e político fluminense Antônio da Silva Jardim.
O atual distrito de Gaviões tem sua origem como Curato de Nossa Senhora da Conceição de Gaviões, em 31 de outubro de 1879. Sua igreja matriz – pelas informações de que dispomos – remonta a meados do século XIX. Possui um cemitério em desuso, porém necessitando de maiores cuidados e estudos, visando conhecer um pouco a respeito das pessoas que lá foram sepultadas. Estes datam do final dos oitocentos aos primeiros anos do século passado. Nas proximidades da igreja, numa área de pasto, teria existido um outro cemitério que fora abandonado devido às cheias do rio São João, segundo informações do Sr. Iolando Ferreira da Silva, de 71 anos, bisneto do responsável pelo erguimento da casa do Sítio Grupo Velho.
A respeito dos antepassados do Sr. Iolando Ferreira da Silva, no Almanak Laemmert, edição de 1876, encontramos referências ao seu avô materno Thomaz Fernandes Barroso e seus dois irmãos, Antônio Fernandes Barroso e Francisco Fernandes Barroso, como sendo fazendeiros de café e proprietários de terra no então Curato de Nossa Senhora da Conceição de Gaviões (Anexo 11 – Fotos 124 e 125). Ser relacionado na dita publicação significava sinônimo de abastança e influência política. Além destes, para nossa surpresa, o Almanak Laemmert daquele ano relacionava outros 156 proprietários e fazendeiros de café, contrastando com a situação atual de Gaviões, que em nada lembra o período cafeeiro e a produção agrícola de então, além da criação de animais.
Sabemos que as regiões compreendidas pelos vales dos rios Caceribu, Macacu, Capivari, São João e Bacaxá tiveram considerável produção cafeeira, engenhos de açúcar, aguardente e farinha de mandioca, além da agricultura de subsistência. O café produzido na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Rio Bonito e nos vales do rio São João e de Capivari (atual Silva Jardim) percorria trilhas e caminhos buscando os pequenos portos do rio Macacu: Porto das Caixas e Vila Nova de São José. Para que todo esse aparato pudesse funcionar era necessária a força de trabalho do escravo africano. Apesar da assinatura, em 1826, do tratado entre o governo imperial e a Inglaterra, que proibia a importação de escravos africanos, a expansão cafeeira na Província Fluminense necessitava de mão de obra escrava. Assim sendo, o tráfico persistia visando atender à demanda, além de representar um ótimo negócio para os traficantes.
Uma análise atenta do mapa de Niemeyer e Bellegarde (1858/1861) pode revelar que escravos africanos poderiam ter saído dos trapiches situados no litoral dos atuais municípios de Araruama, São Pedro da Aldeia, Cabo Frio e do distrito de Barra de São João. Teriam como destino as fazendas de café localizadas nos vales dos rios São João e Capivari e, possivelmente, à Cidade do Rio de Janeiro.
Impulsionadas pelas rotas comerciais e pela expansão cafeeira, várias freguesias no interior fluminense foram elevadas à condição de vila, entre elas, a Freguesia de Nossa Senhora da Lapa de Capivari (1841), a Freguesia de São Fidélis de Sigmaringa (1850) e a Freguesia de Sacra Família de Ipuca, atual distrito de Barra de São João (1846).
Assim, o sítio histórico arqueológico que foi denominado como “Sítio Grupo Velho”[10] representa a estrutura de uma antiga casa de fazenda, possivelmente do século XIX e que, segundo informações do Sr. Iolando, teria sido construída pelo seu bisavô, Pedro Barroso, depois habitada e abandonada pelo seu avô materno, Thomaz Fernandes Barroso. Durante o salvamento arqueológico, chamou muita atenção o manilhamento encontrado, os tanques, as telhas francesas (Marselhe) e a riqueza dos materiais resgatados (louças de diversas variedades, a qualidade representada nos vidros e garrafas). A riqueza e a qualidade dos materiais lá encontrados nos levam a uma preliminar dedução: a de que a família que habitou aquela casa de fazenda tinha posses, ou seja, representava uma classe de abastados fazendeiros para os padrões da antiga Capivari, mas que não devem ser comparados aos padrões da região do Vale do Paraíba Fluminense, da mesma forma que as casas de fazenda de Capivari e suas freguesias não se comparam a solidez das ainda existentes na região citada. Isto parece de acordo com o que informa Hebe Matos de Castro:
Viviam com simplicidade esses ricos senhores, se mantivermos os parâmetros externos de comparação. Suas casas assobradadas, cobertas de telhas e assoalhadas[11] raramente tinham a solidez da pedra ou do tijolo. Feitas em estuque, traziam no tamanho, forro e assoalho os símbolos maiores, para aquela comunidade, de riqueza e prosperidade. Os inúmeros casarões descritos nos inventários analisados poucas marcas deixaram na paisagem local. O estuque tem vida curta sem cuidados especiais com sua conservação.
Duas fazendas em Rio Bonito a notícia de outra no caminho para Araruama, todas com o mesmo padrão de construção, foram os poucos sinais que restaram da riqueza passada. Mobiliário em madeira de lei, com muito vinhático e cabiúna, também diferenciava seus proprietários do restante da população.” (Castro, 2009: 31-32)

Tal situação se torna ainda mais clara, quando comparamos as duas casas escavadas, a do Sítio Grupo Velho e a do Sítio do Emboque.
Não é possível precisar em que momento inicia-se a decadência da região que, de certa forma, estende-se até hoje. Contudo, certamente, ela está ligada a crise da lavoura cafeeira fluminense.
Contudo, se o contraste é flagrante nos aspectos construtivos e no material recolhidos nos sítios, algumas coisas aproximam os sítios, dentro de uma mentalidade de época. Por exemplo, em ambos foram encontrados diversos exemplares de remédios, para diferentes enfermidades, embora sejam muito mais numerosos no Sítio Grupo Velho: reumatismo, rinite, anemia, sífilis, etc. De todos, chama a atenção os “depurativos do sangue”, como “Pildoras Bristol New York Vicitales”, “Água de Florida Murray y Lanman – droguita de N. York (1869)”, óleo de rícino (com as inconfundíveis garrafinhas azuis) e, sobretudo, o “Balsamo Homogêneo Simpático”. Este último, ressalta pela grande quantidade de frascos encontrados no Sítio Grupo Velho.
            O “Balsamo Homogêneo Simpático”, criado pelo cirurgião italiano Pedro Garbboza, gozou de grande popularidade, no Brasil e no exterior, na segunda metade do século XIX. Tratava-se de uma verdadeira panacéia, conforme se percebe em anúncio publicado no Jornal do Comércio de 26/05/1862:
Bálsamo homogêneo simpático, invenção e fabricação do cirurgião italiano Pedro Garbboza, morador do Rio de Janeiro, bom para feridas, úlceras cancerosas e venéreas, sarnas, erisipelas, cirros, mal-de-lázaro, reumatismo, dor ciática, gota, queimaduras, fístulas, mordedura de animais peçonhentos, lombrigas, solitárias, menstruação, dores de estômago e de ventre, etc.

            Sua popularidade e grande espectro de indicações, lhe trouxe, como não poderia deixar de ser acusações de charlatanismo. O boticário Ezequiel Corrêa dos Santos (1801-1864), um dos responsáveis pela consolidação da disciplina farmacêutica no Brasil, por exemplo, combateu o charlatanismo que invadia o mercado brasileiro de remédios, entre eles este, não raro importados, anunciados publicamente nos jornais, prometendo curar doenças até hoje incuráveis.[12]
            Em uma de suas crônicas, reclamando dos novos remédios, que “matavam” os tradicionais, Machado de Assis também se refere ao Bálsamo:
Para que falar do "elixir antiflegmático", do "bálsamo homogêneo” e tantos outros preparados contemporâneos da Maioridade? O xarope a cujo nascimento assisti, foi o "Xarope do Bosque", um remédio composto de vegetais, como se vê do nome, e deveras miraculoso Era bem pequeno, quando este preparado entrou no mercado; chego à maturidade, já não o vejo entre os vivos. É certo que a vida não é a mesma em todos; uns a tiveram mais longa, outros mais breve. Há casos particulares, como o das sanguessugas; essas acabaram por causa do gasto infinito. Imagine-se que há meio século vendiam-se "aos milheiros" na Rua da Alfândega n.????? 15. Não há produção que resista a tamanha procura. Depois, o barbeiro sangrador é ofício extinto. (Assis, 1892)

  Por fim, Chaloub também trata desta panacéia:
         De envolta com curandeiros e suas drogas, tínhamos uma infinidade de remédios estrangeiros, sem contar as famosas pílulas vegetais americanas. Que direi de um óleo Jacoris Asseli, eficaz para reumatismo, não menos que o bálsamo homogêneo simpático, sem nome de autor e nem indicações de moléstia, mas não menos poderoso e buscado. (Chaloub, 1996: 166)

Desta forma, fica claro que o alto consumo deste “Bálsamo” e outros depurativos, estava dentro de uma mentalidade de época. Neste sentido, Andrade Lima (1996), a partir de escavações na Cidade do Rio de Janeiro, sustenta que a ascensão e consolidação dos novos segmentos “burgueses” na segunda metade do século XIX, foi marcada, entre outras coisas, por mentalidades impregnadas pelo humorismo hipocrático, implicando em uma ideologia e uma prática de higienização, onde está presente a ampla utilização de depurativos.
  Por outro lado, os trabalhos arqueológicos desenvolvidos na região do Município de Silva Jardim, parecem indicar que está mentalidade e esta prática não são exclusivas da classe dominante urbana da capital do país, já estando presente também nas classes rurais.
Deve-se ressaltar, que o sítio não foi esgotado com esta escavação. Pelo contrário: as estruturas parecem estender-se até a estrada e apenas o Cômodo 2  foi, de fato, escavado.


Referências Bibliográficas
Almanak Laemmert – 1876.

ANDRADE LIMA, Tânia. Humores e odores: ordem corporal e ordem social no Rio de Janeiro do século XIX. Hist. cienc. saude-Manguinhos. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, vol.2 (3), 1996.

ASSIS, Machado. A Semana.Disponível em www.grupoklick.com.br/ 2006/obralit//Machado_de_Assis_a_semana.pdef, acessado em 20/05/2010.

CASTRO, Hebe Maria Mattos de. Ao Sul da História: lavradores pobres na crise do trabalho escravo. Rio de Janeiro: Editora FGV/FAPERJ, 2009.

CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. S. Paulo, Cia. Das Letras, 1996.

DIAS Jr., Ondemar F. Pesquisas arqueológicas no sudeste brasileiro. Boletim do Instituto de Arqueologia Brasileira, Série Especial. Rio de Janeiro: IAB, 1975 (2): 3-22.

DIAS Jr., Ondemar F. A cerâmica Neo-brasileira. Arqueo-IAB, Textos Avulsos. Rio de Janeiro: Instituto de Arqueologia Brasileira, 1988 (1): 3-13.

EIA Cabiúnas – REDUC GASDUC III. Estudo de Impacto Ambiental EIA Gasoduto GASDUC III. Rio de Janeiro: PETROBRAS, Biodinâmica Engenharia e Meio Ambiente, v. 1 e 2, 2007.

NAUFRÁGIOS do Brasil, www.naufragiosdobrasil.com.br/ naufriomacauham.htm, acessado em 23/01/09.

PROUS, André. Histórico do setor de arqueologia UFMG e papel das missões franco-brasileiras. Anais da VIII Reunião Científica da Sociedade de Arqueologia Brasileira. Porto Alegre: EDIPUCRS, Coleção Arqueológica, 1996 (1): 131-150.

RENFREW, Colin e BAHN, Paul. Arqueologia. Teorias, métodos y práctica. Madrid: Ediciones Akal, 1993.

SANTOS, Nadja Paraense dos. Passando da doutrina à prática: Ezequiel Corrêa dos Santos e a farmácia nacional. Quím. Nova vol.30 no.4 São Paulo July/Aug. 2007, disponível em http://www.scielo.br/scielo.php? pid=S0 100-40422007000400049&script=sci_arttext, acessado em 20/05/2010.

SEDA, P.; CHAMUM, D. e DECCO, J. Relatório do Projeto GASDUC III – levantamento e programa de prospecção arqueológico na faixa do Gasoduto GASDUC III. Instituto de Arqueologia Brasileira, 2008.

SEDA, Paulo. Relatório do Projeto GASDUC III – salvamento, monitoramento arqueológico e educação patrimonial na faixa do Gasoduto GASDUC III. Instituto de Arqueologia Brasileira, 2010.




[1] Laboratório de Estudos e Pesquisas da América Antiga/NUCLEAS/UERJ; Instituto de Arqueologia Brasileira

[2] Atuaram nas pesquisas, além do autor, Denise Chamum (Coordenadora de Campo e Laboratório), Juber Decco (Arqueólogo Assistente), Ayala Santos Pessôa (Auxiliar de Pesquisas), Marcos Henrique Ignácio (Auxiliar de Pesquisas), Elis Candido Vasconcelos (Bolsista PIBIC/CNPq), Thiago Bastos de Souza (Bolsista PIBIC/UERJ) e Paulo Clarindo (Colaborador).
[3] O termo emboque refere-se a entrada (Emboque Leste) e saída (Emboque Oeste) do túnel aberto em serra no Município de Cachoeira de Macacu para passagem do gasoduto.
[4] Também foi realizado monitoramento a partir do Emboque Oeste em diante, localizando-se dois sítios, já impactados pela antiga faixa de dutos.
[5] As informações e interpretações aqui apresentadas são oriundas das observações durante o resgate e o inventário do material, uma vez que a análise detalhada ainda se encontra em andamento.
[6] www.naufragiosdobrasil.com.br/naufriomacauham.htm, acessado em 23/01/09

[7] Ver Figura 08.
[8] Vide Figura 08.
[9] Em Tupi Guarani, “de rio da Capivara”.
[10] Em alusão a um antigo grupo escolar que existiu em Gaviões junto à estrada, em frente ao sítio escavado, assim chamado pelos moradores locais.
[11] O grifo é nosso.
[12] SANTOS, Nadja Paraense dos. Passando da doutrina à prática: Ezequiel Corrêa dos Santos e a farmácia nacional, 2007.
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Figura 19

Um comentário:

  1. TIVE A GRATA OPORTUNIDADE DE PARTICIPAR DA TERCEIRA E ÚLTIMA ETAPA DESSE MARAVILHO TRABALHO DE ARQUEOLOGIA EM GAVIÕES, MUNICÍPIO DE SILVA JARDIM, RJ.

    ABRAÇOS,

    CLARINDO
    AMIGOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL
    pauloclarindo@gmail.com
    www.amigosdopatrimoniocultural.blogspot.com

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